quarta-feira, 1 de maio de 2013

Não houve alarde

Não houve alarde. A cidade era pequena e as casas eram afastadas umas da outras em meio a elevações monumentais de verde. A notícia espalhou-se rapidamente como um boato qualquer sobre um vizinho pervertido. O rio iria subir metro e meio em algumas horas, era o comentário da pequena cidade.

Todos pegavam calmamente suas casas e as colocavam em lugares mais altos. Alguns detalhes ficavam esquecidos e, sem medo, íamos buscá-lo. Era só um rio que transbordaria, nada mais.
           
Estendemos uma toalha colorida sobre a grama verde da primavera, colocamos sobre ela guloseimas que tínhamos em casa e esperamos. Enquanto degustávamos doces e salgados feitos na pequena padaria da cidade, que seria inundada.
           
Meu celular não estava no meu bolso. Lembrei-me de tê-lo deixado perto da minha casa na árvore, feita quando eu ainda tinha sete.

Não houve alarde, levantei-me e fui buscá-lo.

As ruas estavam vazias, as almas que ali habitavam já haviam encontrado seus pontos de abrigo metros acima da minha pequena cidade. E era cada um com seu imenso espaço.

Ao longe pude ouvir pequenos passos que caminhavam saltitantes. Parei para ouvir o único ruído da minha cidade.  Sorrateira ela entrou no meu campo de visão. A uma distância curta de mim, estava uma menina de cabelos compridos e negros, mas ela não me viu. Estava entretida com seus saltos.

Ela parou de repente e fixou o olhar em algum ponto distante, que eu não conseguia enxergar. Uma parede do meu lado direito, não me deixava ver além. Imóvel, ela permaneceu por alguns segundos, enquanto eu a observava também imóvel.

A água veio. Foi rápido. Tive um impulso de salvá-la, mas foi tarde demais. Ela me olhou no exato momento em que a água a levou. Silenciosa.

Corri.

A água não me atingiu e eu voltei para o nosso delicioso piquenique. Não houve alarde.

Nenhum comentário: